sábado, 18 de julho de 2009

Jump

Às quatro e meia da manhã estou de pé, um pouco nervosa, um pouco ansiosa:
-Bom dia, dia. Bom dia, pessoal. Bom dia, cachorrada. Bom dia, vida.
Tomo um banho quente, visto uma roupa mais grossa, preparo o café pra ir tomando no caminho, escovo os dentes, passo no quarto pra pegar o celular, as chaves e apagar a luz. Enquanto espero a minha carona vou dar uma olhada na cidade daqui de cima. Tem gente voltando pra casa, gente indo trabalhar e eu, esperando minha carona das cinco. Hoje está mais frio que de costume, choveu durante a noite.
Toca o celular, é o toque para que eu desça e espere no portão do prédio. As cinco dá pra notar as cores do céu mudando. Desço, espero mais uns cinco minutos e a carona chega.
Eu:
-Oi amor, bom dia!
Ele:
-Bom dia, amor, nervosa?
-Um pouco, mas vamos logo, não quero perder nada.
No caminho faço as minhas três orações: Deus, Nossa Senhora e Meu anjo. Dou mais um bom dia pra vida e pra mim, dessa vez deu pra sentir a batida do coração na garganta. Encosto a cabeça no banco e digo:
-Amor, coloca John.
Essa foi a única vez que ele o fez sem reclamar. Seguimos nosso caminho, o céu cada vez mais claro. Quase me esqueço de tomar o café.
Ele:
-Você não deveria estar comendo isso, vais enjoar depois.
Odeio quando ele está certo.
Ele:
-Chegamos.
-Como assim 'chegamos'? Você parou no meio da ponte!
-É aqui mesmo, vem!
Ele já tinha saído do carro antes que eu pudesse dizer alguma coisa. Tenho que admitir, era a vista mais bonita de se ver. Quase às seis da manhã o céu fica de vários tons (azuis, rosas, laranjas), as nuvens ficam partidas, parecendo ondas, tudo se refletia no rio, redes sendo jogadas, as aves voando, o vento soprando forte, ele me abraçou e ficamos olhando juntos tudo aquilo. Antes disso não sabia que ele tinha sardas ou que sua presença era relevante.
Entramos no carro novamente e fomos ao encontro dos demais. Estacionamos e aos poucos as pessoas foram chegando, quanto maior ficava essa equação, mais só eu me sentia, mas ele, ele sempre me tocava, falava comigo, mostrando que estava ali, que estava prestando atenção em mim e me apoiando. Todo mundo parecia preocupado, a essa altura já estava zen, só observando. Com o horário aproximando-se, começou a movimentação, "galera, bora" e o negócio ficou mais difícil, todos caminhando de volta pra ponte, já dava pra ver os profissionais arrumando as cordas e o medo nos rostos. Paisagem linda, melhores amigos, namorado, tudo ali, pro grande salto da minha vida. Meses de preparação, um salto que só pode ser feito de cabeça, tinha que ser quando tudo estivesse no seu devido lugar, foi essa promessa que eu me fiz. Todas as vezes desistia de pular de cabeça, já deixei pularem na minha frente pra criar coragem, mas nunca consegui pular. Nesse dia eu seria a primeira, tinha que ser assim. Tudo o que pode dar errado passa pela cabeça enquanto preparam o equipamento para o salto.
Eu:
-Mas e se eu morrer? E se...
Ele:
-Você vai lá, passa para o outro lado do para-peito, vira de frente para o rio e mergulha. Eu já fiz isso antes por você. Nós já estivemos aqui inúmeras vezes e eu sempre pulei na frente por ti.
Instrutor:
-Estas pronta?
Eu:
-Nunca!
Ele:
-Você vai ficar bem, você precisa sentir uma vez na vida, precisa se entregar pelo menos uma vez, sem medo, o que eu preciso fazer pra que você acredite nisso, confie em mim? Vai valer a pena!
Eu:
-Você pode estar enganado e não é que eu não confie em você, eu só prefiro o certo, o menos arriscado.
Ele:
-Eu vou estar aqui, você vai saltar e eu vou continuar aqui.
Tremendo passei para o outro lado do para-peito. Criei coragem, olhei para ele e disse:
-Acho que esse é o momento, preciso sentir o sangue quente, preciso sentir. Amo-te, mãe. Amo-te, pai, mas esse é por você, amor. É o primeiro, espero que seja o último. Vejo-te no outro ponto de vista. Eu amo você. E se alguma coisa der errada, tem o rio, pena que eu não sei nadar.


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