quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Super-Nada

Lemos por aí nos gibis sobre caras especiais, que sabem voar, correr rápido, levantar pontes e por aí vai. Quando eu era pequena, passava horas olhando para o controle tentando fazer com que ele mexesse, mas nunca consegui. Depois cismei em tentar ouvir o pensamento das pessoas e, com o tempo, várias outras coisas foram me intrigando. Isso causou alguns problemas, me fez achar que eu era especial, mesmo sem conseguir fazer nada, tinha quase certeza de que era questão de tempo para que descobrisse qual era o meu dom. Nos meus vinte e um anos de vida ainda não encontrei nenhum, mas algumas coincidências sempre acontecem comigo, o que atrapalhou ainda mais o abandono dessa bobagem.
Todas as vezes que eu queria falar com alguém essa pessoa aparecia ou ligava, todas as vezes que tinha medo de voltar pra casa caminhando de noite, pedia para quem estivesse me protegendo piscasse a luz do poste e ela piscava. Sempre que chorei de tristeza, choveu. Vários sonhos viraram realidade e, de um jeito estranho, aprendi a ler no rosto das pessoas o que elas estavam pensando. Mas isso foram apenas coincidências que só me iludiram por um tempo a mais, além do que a fantasia de infância deveria ter ido.
No ensino médio mudei de escola e tive meu primeiro fiasco amoroso e depois dele vários outros vieram, me agarrei nessa idéia de super-poderes e fiz uma capa de aço. Todos viam a garota forte e inabalável com aquela capa, mesmo que eu me sentisse destruída em baixo dela, aquilo convenceu. A partir desse momento me encontro mais forte, quase renovada, pelo menos é essa a idéia de que tenho me vendo recuperada diante do espelho após cada queda. Enfim estava realizada, havia encontrado o meu dom: manipular sentimentos.
Confesso que no início é fácil não ceder, mas como o ar que falta no alto da montanha, começa a sentir falta das coisas, mas continua sem olhar pra si. Nem olha os próprios olhos no espelho, tenta evitar pensar, mas pensa, sonha e sente. Continua fazendo gênero para os outros, que já olham com admiração por tamanha força e alto-controle. É quando você começa a ver-se como mestre e repassa ensinamentos, diz aos outros como é simples, mostra esperança, força, os torna alto-confiantes e alguns executam suas tarefas tão bem quanto você.
Chega um dia qualquer, você acorda bem, disposto, sai e quando você volta pra casa, vê refletido nos vidros das ruas os ombros caídos e o céu nublado, sem explicação nenhuma, aperta as mãos contra o rosto e derrama um rio de lágrimas, chora tanto que o corpo todo treme, procura entender como os poderes se foram de forma tão brusca ou se a ultima pessoa pra quem você ensinou sua técnica infalível, não levou seu dom.
Vários dias seguidos serão tristes e, enfim, você olhará para o que está dentro de si. Nesse momento enxerga o que era real ou não, que a tentativa desesperada de acabar com a dor de cada separação só foi adiada, que não existe nada que faça nós esquecermos o que nos causou alegrias e tristezas e não dá para escolher não sentir. O que dá pra fazer é criar novas lembranças, com outras pessoas que também podem nos fazer felizes e tristes. Continuar fugindo só vai fazer crescer a bola de neve. Aprendi com isso tudo a viver todas as partes da vida e dos relacionamentos, não dá para escolher não chorar quando o que nos fizeram deixou uma marca na pele. Não dá pra viver alheio aos próprios sentimentos e continuar ignorante de si. A única saída é viver a realidade e encarar a vida. Os super-homens da vida são aqueles que conseguem fazer suas próprias vidas e de suas famílias melhores nesse mundo onde tudo está errado, essa é a receita a ser seguida.

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